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Monday, November 27, 2017

ENTRE DUNAS E LENÇÓIS

Dormi contigo, Rosa
Sim, dormi contigo
Não resisti ao teu corpo esguio de mulher madura
Dormi contigo, Rosa
Passeámos pelas dunas
Vimos gungas e gazelas
Como elas, corremos e trepámos montanhas
Até fazer-se noite rosa
Dormi contigo, Rosa
De volta à planície, colhi maboques
Doces, ímpares maboques
E tu, com gula de cozinheira,
Apenas tomates e cenoura
Dormi contigo, Rosa
Na imaginação de um sussurro ousado
No ouvido velho e cansado
Dormi contigo!

Sunday, October 01, 2017

INSTANTE INTIMO

Abdico
De meus desejos insanáveis
Deixo...
Que sobrevoes campos férteis
Deste mundo amável
Até atracares no porto
Dum homem afável
Que te apague desejos insaciáveis
Deste teu corpo inconsolável
Toca tua rumba
Mexe tua mbunda
Pesada kimbamba
Minha malamba
Aurora-alvorada
Vai antes que te arrependas!

Friday, September 08, 2017

POETA FARRAPO

Um poema, uma distração
Um trago, uma ilusão
O sono, um apagão
Depois, nova realidade, o cantar do pavão,
O pão por comprar,
Os filhos por gerar,
As doenças por tratar
As contas por pagar
Os patrões por aturar
Amores por reconquistar
.?!
Mais um trago
Já sem troco
Sou um farrapo!

Monday, August 14, 2017

NO CORAÇÃO DA KISAMA


Do Citembo, fino como agulha
Corre apressado, engolindo outros angolares até Ndondo
Já largo, adulto e pesado, caminho abaixo, vem ele
Kwanza desliza preguiçoso, pachorrento, de amor repleto
Cantam-lhe ao ouvido aves fartas e sedentas

Bátegas rochosas ou lodosas no convívio
Lá dentro, águas incromas, ngandu e kakusu em festa, fazendo-lhe amáveis cócegas
Ao som de pedras-batuque, ngoma da Kisama, ama suas gentes
E o Kwanza segue vagaroso, de estilo cheio até Luanda.
Paragem capital

Tuesday, July 25, 2017

À PEDRA

Cantam alegres
Sempre em grupo
Jovens casadas
Senhoras já preparadas
Moças cobiçadas
Todas prendadas
Viúvas e sengadas

Cantam e contam
Malambas de vidas
Estórias passadas
Problemas solucionados
Assuntos almofadados
Outros tantos exorcizados

E o martelo-pau
Curvo e afável
Contra o milho um lacrau
Tuc, tuc, tuc
"Quando fui moer o milho,
Julgava ser para consumo e negócio...
Serviu para casamento dele com outra!"

Lições passadas sobre a pedra
Onde o milho não resiste ao pau e pedra
E elas cantam o que pensam
Fazendo farinha com destreza!


Publicado no Jornal CULTURA de 31/07/2017

Friday, June 02, 2017

MÃE: MINHA INVISUAL

Não me vês
Mas pelo cheiro me tens
Seguindo a voz vens
Assim como a cega toupeira
Nos sentidos refinada
Minha alegria de volta
Quando netos à volta
Voltares a ouvir
E vais, a toa, sorrir
Casa tua, toda
Família tua, toda
Cerca-te à volta
E gritas solta
Lembrando meu grito
Primeiro!

Wednesday, May 17, 2017

QUE PESADELO!

Sinto cheiro a fumo carregado
E negro
Arde capim seco
No espaço que separa sentidos
A estrada é larga e famosa que conduz ao norte-centro-sul
Deitado na cama gelada de kasimbu, vejo
Montículos vários
- Campos de batata ao longo da rodovia?!
- Não!

Cumprimos o chamamento e juntámos areia
Homens de farda respeitada
Pás nos ombros,

Desafiam pedras
Cumprem dever e aguardam conclusão da jornada
Mais adiante,
Montículos espalhados na negrura do asfalto
E, de novo, o negro do fumo que brota do capinzal
- Incendiaram a relva?!
Grita o despertador
Desperto desesperado
Foi pesadelo!

Wednesday, March 01, 2017

(D)EVOLUÇÃO DISCURSIVA

Ela e o seu
Ele e a sua
Eles e os seus
Equação acabada e exclusiva

Ela: os nossos
Ele: os nossos
Em um se fundiram todos

A tua e os nossos
Os meus e a tua
Tu e a tua, p'ra rua
Equação desfeita na briga-da-noite

P'ra fora
Há rua que vos aguarda
Já!
 
 
SC 2014

Tuesday, February 14, 2017

AMOR NA LUA

(e o poeta de Kuteka)
- Filha, quero ama-la!
Quê
A mala?
Não me atrapalhes, tenho sono!
E por que não levas a mochila, no roupeiro?
- Eu disse que vou amar-te!
Já te disse, poeta, não me lixes!
Se vais a Marte ou à Lua, fala-me amanhã!

Sunday, January 08, 2017

TAMBI KU BATA

Uma névoa sobre os céus do Libolo
Cá abaixo apenas gritos
- Aníbal?!
Um manto sobre nossos olhos
- Anibal?!
Uma montanha mais curta
- Metros retirados ao nosso alpendre intelectual
Ainda ontem conversávamos
- Sobre Libolo e outras coisas nossas
Escureceu o céu
- Já não é nosso o Aníbal
Tomai conta dele, ó céus
- É já vosso o Aníbal!