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Tuesday, December 01, 2015

MANO DÉCIMO





Mona-a-ngamba de nascença

Cedo procurou libertar-se

E conseguiu

Tempos depois

Na moda das tarrafas extra-bairrais

A mona-a-ngamba voltou sem ais

Agredido na honra

Espoliado no suor

Chifrado no sentimento

Jazz Mano Décimo

Ano dez no ralo

Refúgio no submundo é tenda

Há anos trocada pela mansão urbana

Cima a baixo percorre calçadão

E recupera o amigo papelão

Há anos substituído p'lo cómodo colchão

E sobrevive, Mano Décimo

Chifrudo

Sangrento

Esvaindo-se por todos poros

- Bebeu do veneno

Proclama a vilã

- Engordou a cobra com suor

Dispara condoída a irmã

Sem ópio que dor amortece

Nem frasco que tudo esquece

Vive e quase enlouquece

Mano Décimo caminha a leste

Do Kuteka à Irlanda

Carregando o peso do nada

E, aos poucos, desfalece,

Mano Décimo.


In Canções ao vento

Sunday, November 01, 2015

ELES

Aos magotes
Dias e noites
Fingem-se satisfeitos
Quando é outra
A dama de suas vidas
E trocam gritos por silêncios
Vociferantes
Sim
Silêncios como faca do talheiro
Na escuridão dos carcereiros
Na ignorância dos sensores
Na liberdade da palavra
Lançam vozes eternas
OS POETAS

Thursday, October 01, 2015

TUDO É DOR

Brigas frívolas
Silêncio abrigo
A saudade dos de casa
Das árvores, da Katumbu, do António e do Phande


Doi tudo
Pés, cabeça, abdómen e  cervical
Até a fome doi
Se me liberto da dor!



Tuesday, September 01, 2015

TORRA

Hoje vou torrar
Amanhã vou kubar
Manhã inteira
Mboa, não dês bandeira
Já expliquei a dika
Terminei a bumba
Sábado não vou amarrar
Domingo vou exercitar

Saturday, August 15, 2015

A CANETA E A CANECA

Desisti da caneta
É agora a caneca
A caneca...
Que consolo?!.

É neta jogada no colo
Ou brincando na careca
Ó caneca!
 

Teus gritos já me soam à sineta
Que fazer desta praceta
Sem tinta na caneta
Para mais uma croniqueta?
 

E calculo
Quilómetros por andar até Kakolu
Caneta e caneca na busca da soneca
Desperto sem consolo
 

Vou embriagar-me com caneta!

Saturday, August 01, 2015

CANÇÃO DO TI-CHICO

Haveres teus
Haveres nossos
Haveres meus
Contigo me juntei na pobreza
A mim pertence a riqueza
Pra ti dou a despesa
Sai, sem haver levar
Vai, desiste 'té morrer!
- Abdico
Sem registo de tudo abdico!
Dia de partida, estrada longa
Para curta cilindrada
- Amor, é de arrependimento que te conto
Tudo é teu em todos os cantos
Casas, carros e os encantos!
Na estrada, Ti-Chico, sempre em prantos:
- Amo o labor
Tu o meu suor!

Wednesday, July 15, 2015

A MEIO DO KASIMBU


Queimadas e caçadas
No Libolo, sempre casadas
Já participei de muitas, ainda kanuku
Manhã cedo, afiar flechas e catanas,
Erguer corda e zagaia
Cães já famintos, para que não fujam da presa,
Tratados como ouro, antes da caçada
Depois, no repasto dos donos, se contentam com bola seca de funji
E ossos (des)conseguidos pelos dentes envelhecidos do mwadyakime
As caçadas e as queimadas,
Sempre casadas com fumo,
Capim alto ardendo, cinza preta, kwata,-kwata,
Agarra para os aportuguesados que levam ralhetes e cassetetes
Às caçadas e as queimadas, Doutor não vai
Fica na cidade, mas sente cheiro do capim e do produto da caçada
E quem se deleita é o filósofo de esquina,
O calcinhas, meio indígena, meio assimilado
Vai à caçada de roupa completa
Voltando sujo-amarrotado, quando não roto-descalço
É a meio do kasimbu!

Monday, June 15, 2015

LETRAS MILAGROSAS


 

A poesia supera a dor

Leva-nos ao abstrato

Faz-nos sugar os mares

E os céus apalpar

Com ela se sonha

Mesmo acordado se sonha

Mergulhado na poesia

Isso sentirá o capim

Quando deixar de ser trampolim

Para ruminantes e manatins!


In Canções ao vento

Monday, June 01, 2015

BRISA

Essa tua cordilheira, Isa

Já me lembra aquel´algibeira

Abandonada na estrada, à beira

São torres Pisa

Esse teu peito, Isa

Eterno caderno do amor moderno

Convida p´ro desenho

Minha vertical caneta

Que percorre teus desejos sequiosos

Aguardando por tinta

Expelida pela minha caneta

Nesse teu peito, Isa,

Empresto minha  caneta

Para  rabiscos na tua camisa

Até gritarias...

Até à chegada da brisa!

Monday, May 25, 2015

QUINTA CANÇÃO (A MAIO)

Que trazes pra mim, ó Maio?
Não te chega este meu 41º Maio?
E 8º do homónimo filho mais teu que meu?
Terei sossego na lavoura e na choupana?
Se vai amainar a tempestade que arrasa minha cidade?
Param a chuva torrencial, trovoadas e raios?
Raios que o partam!
E, olho pra ti, ó Maio da minha progenitura
Num momento em que mais me vêm interrogações à mente
Espero recitar, pacientemente
Quando de mim te fartares
- E tudo Maio deixou!
Ou tudo tu levarás?

Friday, May 01, 2015

SENTINDO-ME ASSIM


Há chuva
Há tempestade
Há raios e trovões
Há dor estranha dentro de mim

Há medo
Há força também
Há frio e calafrios
Há também esperança dentro de mim


Há angústia obtusa
Há temor mesquinho
Há incertezas…
Há também em mim emergentes desafios.
 

Wednesday, April 01, 2015

PASSANTE

É como um restaurante
Seu back office não visite
Para que imundície não destape
E sua fome não afugente!

Mulher anunciante
De longe elegante
Que se apregoa gostosa, caliente...
É cozinha de restaurante!

Mulher apelativa a transeunte
Histórias fecundas no reporte
Corre água turva à jusante
Delicie-se, não pergunte!

Como internet é o homem
Moderno, de liso abdómen
Seu telefone não conecte
Para não ver serpente!

Sunday, March 01, 2015

A HORA DO GRITO


Cinco Litros

Nasceu distante

No tempo e na geografia

 Cinco Litros

P’ro Nordeste desterrado

Num pseudo-contrato, escravatura moderna luz-e-tana

 Cinco Litros

Sonho de liberdade alimentou

E caçadeira para o ataque sonhou

 Dia de pagamento,

Cinco Litros,

Mala do salário surripiou

 Padre pidesco colono contratou

Mulher domingueira segredo soltou

Cinco litros na cadeia parou

 Estropiado,

Pela roda da Bed Ford

Cinco Litros da vida se despediu

 Ainda corre fama

Cinco Litros é herói

Na Lunda e na vida de injustiçados!


Obs: Versificação de uma narrativa do nordeste angolano. Faz parte da Antologia de Poesia Contemporânea Entre o Sono e o Sonho Vol. VI, Chiado Editora, Pt, 21.03.2015. 

Sunday, February 01, 2015

EMPURRADA


Caminha

Passo apressado pela rua

Desvia

Homem descalço na grua

Enfia-se

No beco agulhado da casa que sonhou sua

Envia

Olhar aguçado para a lua

Repara

No reflexo espelhado que vai nua

Engole

Licor drogado que depressa actua

Conclui

No telhado da noite a vida continua…

Thursday, January 01, 2015

DE BAIXO DA PONTE

Homens de longe
Sem moral nem norte
Destilam ureia na areia
Distância rogando boleia
É a ponte que todos rodeia

Mulheres talhadas na vida
Emprego fecundo na via
Desfilam carnudas vadias
Debaixo de ponte vazia
Quem és tu mulher-a-dias?

Jovens temperados na rua
Sem sorte perdida crua
Disputam sobras
Procuram sombras
Buscam sossego roubado
Pela agua infiltrada no telhado
Escapada da ponte ruída

Crianças da escola destruída
Sepultam sonhos
Riscando na ponte desenhos
Em troca, largos desdéns
Mas a vida corre debaixo da ponte!